13 DE MAIO – DIA NACIONAL DE DENÚNCIA CONTRA O RACISMO

A LUTA NEGRA PELA LIBERDADE

13 DE MAIO – DIA NACIONAL DE DENÚNCIA CONTRA O RACISMO

Não somos conhecidos como a nação da liberdade, mas por longo periodo essa terra foi apresentada como um lugar de harmonia, diversidade e “quase” destituída de preconceitos (!). No entanto, ao analisar sua história percebe-se que o “paraíso” possui cicatrizes da exploração perpetuada através de um sistema de privilégio e subalternidade. Os 300 anos de escravidão subtraído de onde estamos hoje dão uma dimensão do tamanho das consequências e justificam as feridas ainda abertas, agravadas pela violência a pretos, pardos e indígenas.  

No dia 13 de maio de 1888 foi promulgada a Lei Áurea, na qual se abolia o trabalho escravo no Brasil. Nesta época, restavam apenas 5% de pessoas negras nessa condição. Enquanto lembramos o conteúdo absorvido nas aulas de História, cabe atentar que o dia 14 de maio (o pós – abolição que os deixou em total desamparo) se demonstrou mais prolongado que se poderia imaginar. Representa os 56% de brasileiros (que se declaram pretos ou pardos, de acordo o censo do IBGE) que deveriam investir em suas potencialidades e, se encontram confrontando a desigualdade nas relações de trabalho e em sua comunidade. Estava certo o poeta Oliveira Silveira quando expôs: “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão” [1].

A essa altura precisamos questionar: O que sei deste país em que vivo? O que faço para transformar a realidade a que pertenço? E, enquanto agente de saberes e profissional, de que modo utilizo minhas habilidades e capacidade autocrítica para evoluir no contato com outro ser humano? Afinal, quando se fala de liberdade, não há espaço para o marasmo.

O Código de Ética do Psicólogo é fundamentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos na qual prevalece a dignidade humana acima de qualquer interesse. A própria Resolução CFP 018/2002, consta: “Profissionais não devem exercer qualquer ação de favorecimento da discriminação ou de preconceito de raça ou etnia. A Psicologia não pode ser conivente ou se omitir frente ao racismo.” Enquanto psicóloga negra preciso exercer o autocuidado para então alcançar o outro em seu sofrimento. Para isso é necessário reconhecer o racismo estrutural e identificar as ações preconceituosas mediante alteridade e compromisso social. A ciência no fim do século XIX considerou o negro como “objeto da ciência” e enfatizou a “inferioridade natural”, valorizando a branquitude como solução para este que seria o “problema do Brasil”. Portanto, somente a partir de 1950 a Psicologia junto às demais ciências, como a antropologia se preocupou em estudar os aspectos psicossociais do indivíduo e o impacto do racismo para o bem-estar psíquico.  

Conforme o infográfico datado de 2017 e exposto no site do Conselho Federal de Psicologia, no Brasil são 4.376 psicólogos, sendo 2.525 psicólogas no Estado de Mato Grosso do Sul e 34 psicólogos (as) autodeclarados negros (as) no município de Campo Grande/MS. Aqui se sugere uma dificuldade no processo de identificação enquanto pessoa negra, no interesse de profissionais em valorar dados como raça e etnia, aliado àqueles que não foram inseridos no mercado de trabalho.

Enquanto ciência caminhamos na compreensão do comprometimento que o racismo provoca à saúde mental da pessoa negra e exige um olhar singular para este sofrimento, profundamente ligado a história e ao lugar que ocupa nesta sociedade. Bem expõe a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Atlas da violência 2018, onde os homens negros vítimas de homicídios – inclui a intervenção policial – corresponde a 78,9%; com 61,7% da população privada de liberdade (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)). No que se refere às mulheres, a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior às não-negras, com 58,8% que sofrem a violência doméstica. Além disso, em relação à renda e pessoas em situação de desemprego, 67% estão entre aqueles que recebem 1 salário mínimo, comparativamente a 48% dos brancos.

Mostra que em relação às mulheres brancas, os homens pretos ou pardos estão em atraso escolar, numa taxa de 42,7%, mais que o dobro delas, (19,9%). Ainda: no ensino superior, com 25 anos ou mais, 7% dos homens negros acessam a universidade e 10,4% das mulheres negras – os homens brancos totalizam 20,7% dos homens brancos e, as mulheres brancas, 23,5%. Pretos e pardos correspondem a cerca de 65% da população pobre e 70% da população extremamente pobre, compondo também a maioria dos usuários da rede pública de saúde e socioassistencial.

Na pesquisa desenvolvida por psicólogos em três hospitais públicos de Belo Horizonte, expôs que “os sujeitos de cor negra permaneceram, em média, 71,8 dias internados [em hospitais psiquiátricos], enquanto os de cor parda permaneceram 20,3 dias”. Acrescenta: “no que concerne à cor, os sujeitos de cor negra permaneceram, em média, 71,8 dias internados, enquanto os de cor parda permaneceram 20,3 dias e os de cor branca, 20,1 dias”. Tais resultados aferiram que a rede de apoio, o provimento de necessidades básicas e de afeto se caracterizaram como fator importante para um prognóstico positivo. Neste cenário conta o histórico de exclusão social, estigma e marginalização, que acomete um percentual relevante de negros brasileiros, levando a maior índice as doenças psicossomáticas, depressão, o alcoolismo, incluindo hipertensão e o diabetes.

Tais dados corroboram para afirmar que o racismo é uma das formas mais graves de violação de direitos. A luta é incessante e, enquanto profissionais que manejam o saber há de se ter mais que conhecimento técnico. Necessita de um resgate sobre quem realmente é, de autoaceitação, com a disposição para liberar preconceitos e crenças não questionadas.  Exige o interesse genuíno com o outro, não se restringindo ao seu “lugar de fala”, mas aproximando as experiências e ampliando para uma atuação mais resolutiva e humana.

A luta permanece por mais qualificações ao profissional de saúde mental: sobre o impacto do racismo estrutural e da subjetividade do povo negro; por maior participação nas Políticas Públicas, incluindo a permanência de psicólogos na escola pública, saúde da família e, na inserção nas comunidades, formando parcerias, alargando os serviços desta ciência para a população e criando novos espaços de pertencimento.

Por Fernanda Meira dos Santos, Psicóloga, membro do NUPSER – Núcleo de Psicologia Étnico – Racial (CDH/CRP14/MS); pós – graduanda em Cultura Africana pela Faculdade Campos Elíseos – FCE; atuante no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e Indivíduos (PAEFI) do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Sul; Aluna ouvinte da Disciplina “Epistemologia das Religiões Afro-brasileiras”, ministrada pelo Prof.Dr. Mário Sá na pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); Autora do blog Viver e Crescer – http://fernandameira.com.br/.

 

  • Obs.: O Conselho Regional de Psicologia de Mato Grosso do Sul, por meio da Comissão de Direitos Humanos, criou o Núcleo de Psicologia Étnico Racial (NUPSER), em 05 de fevereiro de 2017. Encontra-se atuante e aberto a troca de saberes. Mais informações: crepop@crpms.org.br / https://www.crpms.org.br/

 

  1. SUGESTÕES DE LEITURA:

A Psicologia brasileira apresentada em números. Disponível em: http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/ 

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA.  Relações Raciais: Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os. Brasília: CFP, 2017.

DE ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas / Frantz Fanon; tradução de Renato da Silveira. – Salvador: EDUFBA, 2008.

RESOLUÇÃO CFP N.º 018/2002. Disponível em:  https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2002/12/resolucao2002_18.PDF

SOUZA, Neusa Santos. Tornar negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

SCHUCMAN, L. V.; Martins H. V. (2017). A Psicologia e o Discurso Racial sobre o Negro: do “Objeto da Ciência” ao Sujeito Político. Psicologia: Ciência e Profissão 2017 v. 37 (núm. esp.), 172-185. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v37nspe/1414-9893-pcp-37-spe1-0172.pdf

TAVARES, N. O.; Oliveira, L. V.; Lages, S. R. C.  A percepção dos psicólogos sobre o racismo institucional na saúde pública. Saúde em Debate • Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 580-587, out/dez 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n99/a05v37n99.pdf

 


[1] Poema “Treze de Maio”, por Oliveira Silveira, Obra Reunida, 2012, p.249