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Falta de Direitos Humanos promove crise prisional, apontam especialistas

Três episódios que aconteceram em 2017 denotam a crise nos presídios brasileiros. No dia 1º de janeiro cerca de 50 indivíduos em privação de liberdade, que cumpriam pena em Manaus (AM), foram mortos durante a rebelião que durou 17 horas. Na mesma semana, houve um tumulto em uma penitenciária em Roraima, onde 33 presos foram mortos. No dia 14, Rio Grande do Norte, pelo menos 26 presos foram mortos em rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz.

Os sucessivos massacres em presídios chamaram, mais uma vez, a atenção do país para a guerra de facções criminosas dentro de presídios brasileiros e expuseram a fragilidade do sistema penitenciário nacional.

Diante disso, o CRP14/MS escolheu como tema inaugural do projeto FDP: a crise no sistema prisional brasileiro. A forte repercussão dos incidentes colocou o país em uma posição delicada. À época, a Organização Não Governamental (ONG) Human Rights Watch divulgou comunicado dizendo que o Brasil precisa retomar o controle do sistema prisional. “Nas últimas décadas, autoridades brasileiras gradativamente abdicaram de sua responsabilidade de manter a ordem e a segurança nos presídios”, disse a diretora do escritório da entidade em São Paulo, Maria Laura Canineu.

Para a Human Rights Watch, essa situação expõe os presos à violência e abre espaço para a atuação do crime organizado. A superlotação é consequência, na avaliação da Human Rights, de políticas equivocadas, como a manutenção de presos provisórios junto com condenados.

O Juiz de Direito João Marcos Buch, um dos conferencistas da noite de abertura, defendeu a mesma tese da Human Rights Watch de que a violência que cresce nos presídios é reflexo não apenas a ausência do Estado, mas de sua ação.

“A violação dos direitos humanos dentro do sistema penal é praticada pelo Estado. Não é que Estado feche os olhos para o problema. O Estado age positivamente violando os direitos humanos. Aí nós chegamos ao holocausto do sistema prisional. As nossas prisões são os navios negreiros do século XXI”.

Em sua fala sobre “Direitos Humanos e execução penal”, ele tentou explicar algumas das causas que contribuíram para esse cenário de violência. A primeira delas seria a racionalidade do direito penal brasileiro, que segundo o Juiz, possui uma conotação totalmente patrimonial, além de ser factícioso e ortodoxo.

“Nosso código penal não tem como previsão a pena mais alta para o homicídio. Se eu pegar uma arma e matar alguém, um homicídio simples, eu serei lavado a júri e condenado a 6 anos, em regime semiaberto. Agora, se eu sair daqui para roubar o carro de alguém, para roubar eu mato esse alguém para obter o carro, eu comento um latrocínio e a minha pena mínima será de 20 anos. Porque o código dá valor ao patrimônio e não a vida”, explicou Buch.

Outro detalhe sobre o código penal, citado pelo Juiz, é a ausência de fundamentos científicos. “O código não compreende o fenômeno da violência, ele se ampara em pressupostos simples que defendem a função da pena como uma prevenção para evitar o crime”. Essa visão estimula o preconceito e impede que a violência seja vista como fenômeno social complexo. 

Para o conselheiro federal e professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Paulo Bicalho, a postura negligente do Estado, fica mais clara diante da superlotação dos presídios que, segundo Bicalho, responde a lógica de encarceramento massivo. .

“Certa de 80% dos presídios brasileiros possui mais pessoas encarceradas do que número de vaga. Há presídios com mais de 400% de encarceramento. Ou seja, são lugares que possuem mais de quatro vezes o número de pessoas do que vagas. O que isso nos diz é que prendemos as pessoas por desrespeitaram a lei, só que ao prendê-las nós desrespeitamos a lei, afirmou Bicalho.

O pesquisador e conselheiro federal ainda defende que esse alto índice de encerramento é reflexo de uma visão higienista que trata da desigualdade social como “caso de polícia”. Assim Bicalho comenta que a mudança no funcionamento do sistema prisional só seria uma realidade se transformarmos nossa visão sobre os problemas sociais no Brasil.