IX Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano

A política do corpo

por Antonio Quinet

 

O título de nosso Encontro Nacional da EPFCL-Brasil se encontra na interseção da psicanálise em intensão com a psicanálise em extensão, ou seja, na continuidade do divã com a pólis – a cidade dos discursos – pois o corpo do sujeito individual é o mesmo do coletivo. A política com a qual cada sujeito lida com seu corpo é o que nos mostra a clínica do divã. Mas a política com a qual a sociedade trata os corpos falantes na sociedade concerne também ao psicanalista.

 

O Inconsciente é a política, disse Lacan, nos indicando que qualquer política do sujeito relativa a seu corpo inclui o Inconsciente. Isto significa que nosso corpo falante, mais do que biológico, é estruturado pela linguagem, que é “corpo sutil, porém corpo”. O corpo narcísico, imaginário é tomado pelo corpo simbólico, é tomado na cadeia significante e se historiza. O que faz pensar nas políticas do corpo falante nas diferentes estruturas clínicas. A política do recalque da histeria hoje se apresenta desde suas formas clássicas de conversão até suas modalidades contemporâneas de anorexia, bulimia, autoescarificações, etc. A histérica não procura mais a bela alma, e sim a bela forma. A base histérica de toda a neurose faz do corpo um corpo marcado de história – um corpo histoérico. A política de fazer Um do corpo despedaçado na psicose poderia ser uma resposta à pulverização esquizofrênica, ou à mortificação da carne na melancolia. Por outro lado, os fenômenos psicossomáticos se distribuem democraticamente em todas as estruturas clínicas. Em todas as estruturas o corpo é uma mesa de jogo na qual há uma sequência de retorsões significantes ordenadas como um jogo de cartas (Radiofonia), um conflito de interesses. Os corpos são comandados por objetos fora do corpo, que é o retorno do gozo excluído pela incorporação da linguagem: o olhar da pulsão escópica e a voz da pulsão invocante. Olhares e vozes do Outro que dizem ao corpo “sim, és desejável”, ou lançam dardos e impropérios próprios à glutoneria do supereu.

 

O corpo falante é borromeano: o Imaginário de sua forma e de sua imagem especular está enlaçado com o Simbólico da linguagem e o Real do pulsional através do sinthoma de modo original em cada caso. E a clínica pode responder como se manifestam em relação ao corpo as três modalidades de gozo: fálico, do sentido e Outro gozo. 

 

Hoje o discurso da ciência regula a política estetizante dos corpos fazendo os sujeitos correrem atrás da imagem perdida, da idade perdida, do tempo perdido, escamoteando a política da falta-a-ser, que a psicanálise aponta. Em nossa sociedade escópica, os imperativos sociais forjam o imaginário dos corpos no espelho do Outro, alimentando o discurso capitalista e produzindo belos corpos e monstros apavorantes. E daí pululam academias, cirurgias e dermatologias.  

 

Os corpos sexuados e seus semblantes são assunto de política (e não de ideologia) de gêneros, onde “homem” e “mulher” são polaridades interrogáveis.  A anatomia não comanda a partição dos gozos da sexuação (todo fálico e não-todo fálico) do corpo falante. Cada um procura o semblante sexual que mais lhe convém para responder de sua posição sexuada. E sai à rua no embate com os imperativos que a moda dita aos corpos.

 

Cada um se veste com seu corpo e está sujeito a responder por ele de acordo com as políticas vigentes – corpo sexuado, o corpo com sua cor, o corpo com seus hábitos. É esse o corpo que será julgado, injuriado, perseguido, violentado, exilado e até mesmo assassinado por políticas segregacionistas, sexistas e racistas que, sob o comando da pulsão de morte, catalogam, hierarquizam e eliminam corpos indesejáveis.

 

A psicanálise aponta que somos todos corpos falantes, dançantes e cantantes. Pois nosso corpo não é feito de biologia, e sim de arte – da arte feita através do Inconsciente-poeta real com seu saber sobre lalíngua. Cada um se fabrica um corpo atrelado à sua letra de sinthoma e assim compõe seu corpoema – tal como Édipo que inscreve sua letra Óidipous no nome e no corpo e claudica sua falta. Lalíngua é o barro do qual foi criado Adão; é a costela da qual Eva foi criada. Lalíngua é o barro e a costela dos quais foram criados ele e ela.

 
 

INFORMAÇÕES DO EVENTO

XX ENCONTRO DO FÓRUM DO CAMPO LACANIANO

 

Data: 11 a 13 de outubro de 2019

Local: Del Mar Hotel – Aracaju

Informações: aracajuencontronacional2019@gmail.com