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Nota do Sistema Conselhos de Psicologia

O Sistema Conselhos de Psicologia, representado por integrantes dos Conselhos Regionais (discriminar os regionais signatários) e do Conselho Federal, faz um alerta técnico sobre os retrocessos em curso no campo das políticas sobre drogas, em especial os promovidos pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). Trata-se de um enfrentamento ao que o Ministério da Justiça vem chamando de “guinada à abstinência”.

Como membro do Conad, o Conselho Federal de Psicologia participou da reunião de 10 de março de 2018, em Brasília, na qual testemunhou a aprovação de uma nova resolução, a 01/2018, feita com limitação do debate, obscurantismo e distorções da Política de Redução de Danos e da própria Política Nacional sobre Drogas. A aprovação ocorreu de modo atropelado, desrespeitando o direito à fala e ao debate e o próprio regimento do Conad, pois a representação do CFP teve seu pedido de vistas negado, em desacordo com as normas do próprio conselho.

A nova resolução, apresentada pelo ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, tem como eixo a defesa do modelo de abstinência e das comunidades terapêuticas, em detrimento da Política de Redução de Danos e dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), e deixa evidente a articulação dessa medida com as alterações da Política de Saúde Mental proposta pelo coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro. A deturpação das informações científicas sobre a Política de Redução de Danos que embasou a aprovação da resolução é tamanha que o ministro Osmar Terra chegou a afirmar que a abstinência é proibida no Brasil, e que as drogas estão legalizadas no país, o que não se comprova, em especial a partir de nossos índices de encarceramento da população preta, pobre e periférica. Ao contrário, a perspectiva da redução de danos (RD) busca promover ações para minimizar qualquer dano de natureza biológica, psicossocial e econômica dos usuários de substâncias psicoativas sem condicionar o fato à abstinência. O abandono do uso de drogas é até um propósito desejável da redução de danos, entretanto, reconhece que não deve e não pode condicionar a atenção à pessoa que usa drogas à exigência de algo que, naquele momento, ela não sente necessidade ou não consegue realizar.

Outro grave problema provocado pela resolução e que muito preocupa o Sistema Conselhos de Psicologia é o avanço do financiamento público das comunidades terapêuticas (CTs) e o consequente esfacelamento da Rede de Atenção Psicossocial e sucateamento dos Caps AD. Entendemos, assim, o motivo de a resolução do Conad citar a nova portaria do Ministério da Saúde. Conforme comprovado em diferentes relatórios técnicos e artigos científicos publicados nos últimos anos, o modelo asilar oferecido pelas CTs é de pouca eficácia no tratamento dos problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas, sendo o modelo ambulatorial, como o ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos Caps AD, o que alcança maiores índices de sucesso (WERB ET AL, 2016; BARBOSA, 2017). Essa realidade se torna ainda pior quando se observam as violações de direitos humanos ocorridas nas CTs, violações que contribuem para agravos no tratamento e comprovadas em inspeções realizadas pelo CFP, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).

Uma das ações para tentar barrar tantos retrocessos é a (re)articulação da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos, parceria de diversas entidades com o Sistema Conselhos de Psicologia, iniciada durante o Fórum Social Mundial em Salvador. O relançamento das frentes estaduais por todo o país é fundamental para construirmos estratégias de discussão e enfrentamento a partir das realidades locais.

Em relação ao desrespeito ao processo democrático ocorrido durante a reunião do dia 1º de março, o CFP estuda medidas jurídicas contra a aprovação da nova resolução do Conad. Salvador, 14 de março de 2018.

Referências WERB, D., Kamarulzaman, A., Meacham, M. C. et al. (2016), ‘The effectiveness of compulsory drug treatment: A systematic review’, International Drug Policy 28, pp. 1–9. doi: 10.1016/j.drugpo.2015.12.005.

BARBOSA, Roberta Brasilino. Políticas sobre Drogas, Direito à Cidade e Processos de Subjetivação: “porque dignidade não pode ter endereço” Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1º semestre de 2017