O Conselho Regional de Psicologia 14ª Região – MS, autarquia de direito público, instituída com a finalidade orientar, regulamentar e disciplinar o exercício profissional da/o Psicóloga/o no estado de Mato Grosso do Sul, vem a público manifestar sobre a participação de profissionais e estudantes de Psicologia em ações como o “Mutirão de Avaliação Psicossocial de Crianças e Adolescentes”, proposto pela Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande (SESAU), que tem gerado preocupações expressas nesta nota orientativa.
O CRP14/MS reforça que a Psicologia, enquanto ciência e prática profissional, deve ser exercida de forma responsável e ética, em conformidade com os princípios e normas estabelecidos em nosso Código de Ética Profissional e demais resoluções, para garantir o acesso da população a serviços de Psicologia de qualidade. Nesse sentido, destacamos os seguintes pontos que devem ser observados com atenção:
- Princípio da Responsabilidade Social e Ética Profissional
O Código de Ética do Psicólogo, em seu Art. 1º, determina que as/os psicólogas/os devem assumir responsabilidades profissionais apenas em atividades para as quais estejam capacitados teórica, técnica e eticamente e prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços. Participar de ações que envolvem avaliações psicossociais em massa, sem garantir tempo adequado para cada atendimento e sem a devida supervisão, pode comprometer a qualidade do serviço prestado e a responsabilidade ética dos profissionais. - Garantia de Condições Dignas para os Atendimentos
O Art. 9º do Código de Ética determina que é dever da psicóloga e psicólogo respeitar o sigilo profissional e proteger a intimidade das pessoas atendidas. A falta de estrutura adequada no ambiente do “mutirão” e a velocidade necessária para atender a grande demanda podem prejudicar a confidencialidade, essencial para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes atendidas. Conforme Resolução CFP nº 13/2022 a/o profissional deve compreender o espaço psicoterapêutico, o campo relacional que se estabelece durante o processo, incluindo o ambiente, as pessoas envolvidas e a relação suscitada, atendendo às normas locais de segurança, de acessibilidade e aos protocolos sanitários; e garantir o sigilo do atendimento prestado e a privacidade das pessoas atendidas, nas diversas modalidades previstas. - Qualidade dos Atendimentos e Diagnósticos Psicológicos
A realização de avaliações psicossociais em condições de tempo restrito pode resultar em compreensões precipitadas e até mesmo em diagnósticos imprecisos. O Art. 2º do Código de Ética e a Res. CFP n. 6/2019 veda que a psicóloga emita documentos psicológicos sem fundamentação e qualidade técnica e científica, o que inclui diagnósticos realizados sem a devida análise aprofundada. Além disso, a falta de supervisão para estudantes ou profissionais sem experiência prévia pode gerar uma série de prejuízos para a prestação de serviço, o que fere aos princípios de respeito à pessoa atendida, beneficência e justiça em relação aos processos avaliativos quanto à saúde mental e ao desenvolvimento da criança ou adolescente (público alvo nesta ação). - Direitos da Criança e do Adolescente
O Art. 8º do Código de Ética enfatiza a necessidade de obter autorização de um responsável legal para o atendimento de crianças e adolescentes. No formato de mutirão, é possível que o consentimento seja obtido de forma inadequada ou apressada, comprometendo o direito à proteção integral desses indivíduos. Além disso, a sobrecarga do sistema educacional, com a possibilidade de diagnóstico precipitado, pode gerar consequências no acesso a serviços adequados, como a necessidade de apoio pedagógico especializado. Ademais, conforme Art. 1º do Código de Ética Profissional é dever da/o Psicóloga/o informar os resultados decorrentes do serviço, informando o necessário para a tomada de decisões que afetem a/o usuária/o, desta forma é papel da/o Psicóloga/o garantir que após o serviço aconteça a realização da devolutiva aos responsáveis legais pelos atendidos. - Risco à Continuidade do Atendimento
Considerando o Art. 1º do Código de Ética Profissional que traz como dever da/o Psicóloga/o, o estabelecimento de acordo de serviço que respeitem os direitos das/os usuárias/os ou beneficiária/os, a prática de atendimento em um evento de mutirão, sem garantir continuidade no acompanhamento psicológico, pode agravar a situação de vulnerabilidade das crianças e adolescentes atendidos. A falta de continuidade no atendimento e o encaminhamento inadequado desses casos podem comprometer o processo de intervenção e/ou suporte que cada um desses casos atendidos necessite.
Considerações Finais:
O CRP14/MS, em consonância com o Código de Ética Profissional das/os Psicólogas/os e demais normativas, orienta que profissionais e estudantes de Psicologia avaliem as condições oferecidas para que o “Mutirão de Avaliação Psicossocial de Crianças e Adolescentes” aconteça e se abstenham de participar de ações em que as condições de trabalho não atendem aos padrões éticos e técnicos necessários à realização de avaliações psicossociais com qualidade.
É fundamental que toda prestação de serviço psicológico seja realizada com a devida preparação, respeito ao sigilo, garantias de estrutura adequada e, principalmente, com supervisão qualificada. Somente assim poderemos assegurar que esses serviços promovam verdadeiramente a saúde e o bem-estar das crianças e adolescentes, bem como de suas famílias, respeitando sua dignidade e direitos.
Em tempo, informamos também que a gestão municipal já foi oficiada com as preocupações elencadas aqui. O CRP14/MS segue à disposição para orientações adicionais e para apoiar as/os profissionais e estudantes de Psicologia na reflexão sobre a prática ética e responsável no exercício profissional.