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Ação do MPF suspende Resolução CFP n.12/2011

Uma ação civil pública, com pedido de liminar, movida pelo Ministério Público Federa contra o Conselho Federal de Psicologia e o Conselho Regional de Psicologia da Sétima Região, com os seguintes pedidos:

  1. De invalidade da Resolução CFP 12/2011, retirando-lhe a eficácia em âmbito nacional, inclusivamente e especialmente para o fim de invalidar processos  éticos-disciplinares instaurados com base nela ou em seus termos e as sanções eventualmente neles aplicadas;
  2. Seja declarada a nulidade de qualquer ato praticados pelos Conselhos réus com base na Resolução n. 12/2011;
  3. Que o CFP dê ampla divulgação interna à sentença, encaminhando cópia por meio eletrônico a todos os Conselhos Regionais de Psicologia, bem como para os psicólogos nele inscritos, além de disponibiliá-la na respectiva página da internet;
  4. Que os Conselhos Reus sejam condenados ao pagamento de multa diária no valor de dez mil reais para o caso de descumprimento da sentença;

 

Em síntese, a Resolução CFP n.12/2011 veda ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado.

 

 

Portanto, o ofício em questão visa cumprir determinação judicial, conforme sentença abaixo, bem como informar a todos os Conselho Regionais sobre a suspensão/nulidade da Resolução CFP n. 12/2011, bem como determinar aos Conselho Regionais a suspensão de todo e qualquer procedimento ou processo administrativo destinado a apurar eventual descumprimento, por parte dos psicólogos, das disposições constantes da Resolução.

 

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 502850788.2011.404.7100/RS

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU : CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA CFP: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 7ª REGIÃO CRP/RS

 

SENTENÇA

I Relatório

 

Tratase de ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MPF contra o CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA CFP e o CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 7ª REGIÃO CRP/RS, visando à declaração de invalidade da Resolução nº 12/2011, expedida pelo Conselho Federal de Psicologia, retirandolhe toda a eficácia em âmbito nacional, especialmente para o fim de invalidar processos ético disciplinares instaurados com base na referida Resolução ou em seus termos, e as sanções eventualmente neles aplicadas. Pede, ainda, a declaração de nulidade de qualquer ato praticado pelos Conselhos réus com base na mencionada Resolução.

 

Insurgese o autor contra o art. 4º, §1º, da Resolução nº 12/2011, do CFP, que

veda 'a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito delinquente''na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal'. Alega que a referida vedação, dentre outras constantes na resolução e não previstas em lei, afronta o direito constitucional ao livre exercício profissional dos psicólogos, especialmente àqueles com especialização em psicologia jurídica? o direito dos psicólogos ocupantes de cargos públicos nas estruturas do sistema prisional brasileiro de colaborar com a prestação jurisdicional? e o direito da sociedade em geral à prevenção de crimes, por meio da contribuição advinda dos estudos da psicologia jurídica. Afirma a competência da justiça federal, a abrangência nacional por atentar contra direitos coletivos (da classe dos psicólogos) e difusos (da sociedade em geral), e sua legitimidade para propor a ação. Sustenta a possibilidade de o Juiz das Execuções

 

Criminais determinar aos psicólogos do sistema prisional ou judiciário a elaboração de exame criminológico para analisar os requisitos subjetivos do condenado, para fins de concessão de benefício durante o cumprimento da pena, referindo a jurisprudência do STJ e do STF.

 

Assevera que a Resolução nº 12/2011 extrapolou seu poder regulamentar, porquanto instituiu vedação não prevista em lei. Sustenta a ilegalidade da limitação constante no parágrafo único do art. 2º da Resolução que impede que o psicólogo, enquanto servidor público, participe de 'procedimentos que envolvam as práticas de caráter punitivo e disciplinar, notadamente os de apuração de faltas disciplinares'. Argumenta que as restrições impostas pela

 

Resolução questionada atentam contra o direito fundamental à proteção ao impedir que os profissionais habilitados contribuam para a prevenção de práticas delituosas e melhor instrução das decisões judiciais. Requer a concessão de tutela antecipada para: suspender, em todo o país, os efeitos da Resolução nº 12/2011 do CFP? determinar aos Conselhos réus a suspensão de todo e qualquer procedimento ou processo administrativo destinado a apurar eventual descumprimento, por parte dos psicólogos, das disposições constantes da referida Resolução? determinar ao CFP que, no prazo de 10 dias, dê ampla divulgação à decisão que conceder a liminar, inclusive em sua página na Internet? e a cominação de multa diária, no valor de 16/04/2015 42 SENT1https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 2/9 R$10.000,00, para a hipótese de não cumprimento da ordem liminar. Por fim, postula o julgamento de procedência da ação para que seja declarada a invalidade da Resolução 12/2011 do CFP, dos processos éticodisciplinares com base nela instaurados e das sanções eventualmente neles aplicadas, determinandose ao Conselho Federal de Psicologia que, no prazo de 10 dias do trânsito em julgado, dê ampla divulgação interna à sentença, encaminhando cópia da decisão por meio eletrônico a todos os Conselhos Regionais de Psicologia, bem como para os psicólogos neles inscritos, além de disponibilizála na respectiva página da Internet. Juntou documentos.

 

Intimados, os réus manifestaramse acerca do pedido de tutela antecipada (eventos 7 e 9). O exame do pedido de antecipação de tutela foi postergado para a ocasião da sentença, nos termos do art. 330, I, do CPC (evento 11).

Na sequência, o Ministério Público Federal juntou cópia de decisão concessiva de liminar, de âmbito nacional, proferida na ação civil pública nº 000869296.2012.4.02.5101, promovida pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro contra a Resolução nº 10/2010 do CFP (evento 19).

 

Citado, o Conselho Regional de Psicologia não apresentou contestação (eventos 21 e 25). Citado, o Conselho Federal de Psicologia apresentou contestação (evento 28). Alegou que a Resolução nº 12/2011 não extrapola os limites de regulamentação, uma vez que a única questão ali normatizada é a ética do psicólogo no âmbito do sistema prisional.

 

Salientou não haver qualquer restrição ao exercício profissional, tanto que houve por bem revogar a Resolução nº 09/2010, que vedava ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico. Argumentou, quanto à proibição prevista no §1º do art. 4º da Resolução 12/2011, que 'a psicologia pretende ir muito mais além do que a simples elaboração de prognóstico criminológico ou a aferição de periculosidade a partir do binômio delitodelinquente', destacando que 'poderá a psicologia realizar uma análise da integralidade e complexidade da subjetividade do sentenciado que servirão de subsídio à decisão judicial quanto à eventual progressão de regime ou livramento condicional'.

 

Asseverou que, dessa forma, haverá uma avaliação psicológica integral e a autoridade judiciária estará embasada para decidir com mais segurança, uma vez que o CFP apenas estabeleceu condições técnicas e éticas para a atuação do psicólogo, de modo a subsidiar decisões judiciais relacionadas à concessão de benefícios durante o cumprimento da pena.

Discorreu sobre seu âmbito de atuação e competência, concluindo pela legalidade da Resolução nº 12/2011. Referiu a existência de decisões no mesmo sentido da tese defendida. Requereu o julgamento de improcedência da demanda. Juntou documentos.

 

Houve réplica (evento 32). Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório.

 

II Fundamentação

16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 3/9

 

Abrangência subjetiva do provimento jurisdicional Nas lesões a interesses transindividuais, de abrangência regional ou nacional, a competência é do juiz da capital do estado ou do Distrito Federal, o qual passa a ter jurisdição sobre todo o território da lesão, conforme dispõe o art. 93 do CDC, aplicável analogicamente a todas as demais hipóteses de ação civil pública ou coletiva, versem ou não sobre a defesa do consumidor (art. 21 da LACP e art. 90 do CDC). Além disso, o sistema do art. 103 do CDC, de aplicação integrada ao sistema da LACP, desenvolve as regras da coisa julgada, sem limitála à competência territorial do juiz prolator.

 

Hugro Nigro Mazzilli, analisando a questão da coisa julgada dentro dos limites territoriais do juiz prolator (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 294299) explica:

'A alteração trazida ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela Lei n.º 9.494/97 consistiu emintroduzir a locução adverbial 'nos limites da competência territorial do órgão prolator', pretendendose assim limitar a eficácia erga omnes da coisa julgada no processo coletivo.

Tratase de acréscimo de todo equivocado, de redação infeliz e inócua. O legislador de 1997 confundiu limites da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva, nas ações civis públicas ou coletivas, pode ser erga omnes) com competência (saber qual órgão do Poder Judiciário está investido de uma parcela da jurisdição estatal)? e ainda confundiu a competência absoluta (de que se cuida no art. 2º da LACP) com competência territorial (de que cuidou na alteração procedida no art. 16, apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta).

(…)

Não há como confundir a competência do juiz que deve conhecer e julgar a causa com a imutabilidade dos efeitos que uma sentença produz e deve mesmo produzir dentro ou fora da comarca em que foi proferida, imutabilidade essa que deriva de seu trânsito em julgado e não da competência do órgão jurisdicional que a proferiu (imutabilidade do decisum entre as partes ou erga omnes, conforme o caso). Assim, p. ex., uma sentença que proíba a fabricação de um produto nocivo que vinha sendo produzido e vendido em todo o País, ou uma sentença que proíba o lançamento de dejetos tóxicos num rio que banhe vários Estados essas sentenças produzirão efeitos em todo o País ou, pelo menos, em mais de uma região do País. Se essas sentenças transitarem em julgado, em certos casos poderão restar imutáveis em face de todos, mas isso em nada se confunde com a competência do órgão jurisdicional que deve proferilas, a qual caberá a um único juiz, e não a cada um dos milhares de juízes brasileiros, absurdamente 'dentro dos limites de sua competência territorial', como canhestramente sugere a nova redação do art. 16 da LACP… Admitir solução diversa seria levar a milhares de sentenças contraditórias, exatamente contra os mais elementares fundamentos e finalidades da defesa coletiva de interesses transindividuais…

(…)

Sobre estar tecnicamente incorreta, a alteração legislativa trazida ao art. 16 da LACP pela Lei n. 9.494/97 é ainda inócua, pois o CDC não foi modificado nesse particular, e a disciplina

dos arts. 93 e 103 é de aplicação integrada e subsidiária nas ações civis públicas de que cuida a Lei n. 7.347/85 (art. 21 desta).

(…)

Ora, é lógico que o juiz tem que ter competência absoluta para decidir uma ação civil pública? mas não se trata de competência territorial, nem sua sentença só vale para os seus comarcanos…

(…)

A maneira correta de vencer os paradoxos aqui apontados consiste, portanto, em considerar ineficaz a alteração trazida pela Lei n. 9.494/97. A propósito, como bem anota Ada Pellegrini Grinover, 'a competência territorial nas ações coletivas é regulada expressamente pelo art.16/04/2015 42 SENT1

https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 4/993 do CDC. (…) E a regra expressa da lex specialis é no sentido da competência da capital do Estado ou do Distrito Federal nas causas em que o dano ou perigo de dano for de âmbito regional ou nacional. Assim, afirmar que a coisa julgada se restringe aos 'limites da competência do órgão prolator', nada mais indica do que a necessidade de buscar a especificação dos limites legais da competência: ou seja, os parâmetros do art. 93 do CDC, que regula a competência territorial e regional para os processos coletivos'.

(…)

Nos termos da disciplina dada à matéria pela LACP e pelo CDC, portanto, e ressalvada a competência da Justiça Federal, os danos de âmbito nacional ou regional em matéria de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos serão apurados perante a Justiça

Estadual, em ação proposta no foro do local do dano? se os danos forem regionais, alternativamente, no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal? se nacionais, igualmente no foro da Capital do Estado ou no foro do Distrito Federal, aplicandose as regras do Código de Processo Civil nos casos de competência concorrente.' grifei

O STJ tem precedente reconhecendo a abrangência nacional defendida na hipótese:

'PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. ART. 16 DA LEI N. 7.347/85. ABRANGÊNCIA RESTRITA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. IMPROPRIEDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO RESP REPETITIVO 1.243.887/PR. RECONSIDERAÇÃO

PARCIAL. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDO.

[…]

In casu, a decisão da presente ação civil pública apresenta como limite objetivo a aplicação de norma específica sobre suspensão do prazo para requerimento de pensão por morte para dependentes absolutamente incapazes, previsto no art. 74, incisos I e II, da Lei n. 8.213/91, de abrangência federal, e, como limite subjetivo, grupo indeterminado e isonômico, distribuído por todo o território nacional, composto por dependentes, absolutamente incapazes, de segurados da previdência social, sendo despicienda a distinção sobre o local de sua residência para fins de aplicação da suspensão do referido prazo.

Com efeito, neste contexto, não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica.

Ante o exposto, utilizandome do juízo de retratação, reconsidero em parte a decisão de fls.341/359 (eSTJ), para conhecer do recurso especial do MPF e darlhe provimento, para afastar a limitação da competência territorial do órgão julgador, facultandose aos beneficiários o ajuizamento da execução no juízo de seu domicílio.

 

 

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 17 de março de 2014.

(AgRg no REsp 1.426.874, Ministro HUMBERTO MARTINS, 20/03/2014)'

 

Ante tal disciplina, impende acolher o pedido formulado pelo Ministério Público Federal quanto à abrangência do provimento jurisdicional proferido na presente ação, na medida em que o ato impugnado (resolução do CFP) e, por conseguinte, a lesão dele decorrente, tem abrangência nacional e atenta contra direitos coletivos (da classe dos psicólogos) e difusos (da sociedade em geral) que têm natureza transindividual e são indivisíveis, havendo efetivo interesse em que se dê à matéria solução uniforme no país (art. 81, parágrafo único, I e II, da Lei nº 8.078 c/c art. 21, da Lei nº 7.247/85), em atenção, ainda, aos princípios da isonomia e da economia processual. Desse modo, reconheço abrangência nacional da presente sentença e passo a analisar o mérito da causa.

O MPF insurgese contra a Resolução nº 12/2011, editada pelo Conselho

Federal de Psicologia, que regulamenta a atuação do psicólogo no âmbito do sistema prisional. Dentre os dispositivos questionados, destaca os abaixo transcritos:16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 5/9

Art. 2º. Em relação à atuação com a população em privação de liberdade ou em medida de segurança, a(o) psicóloga(o) deverá:

Parágrafo Único: É vedado à(ao) psicóloga(o) participar de procedimentos que envolvam as práticas de caráter punitivo e disciplinar, notadamente os de apuração de faltas disciplinares.

Art. 3º. Em relação à atuação como gestor, a(o) psicóloga(o) deverá:

(…)

d) Considerar que as atribuições administrativas do cargo ocupado na gestão não se sobrepõem às determinações contidas no Código de Ética Profissional e nas resoluções doConselho Federal de Psicologia.

Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos para subsidiar a decisão judicial na execução das penas e das medidas de segurança

(…)

§ 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delitodelinquente.

Art. 6º. Toda e qualquer atividade psicológica no âmbito do sistema prisional deverá seguir os itens determinados nesta resolução.

Parágrafo Único A não observância da presente norma constitui falta ético disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.

Sustenta o autor da ação, dentre vários argumentos, que o CFP extrapolou os limites de sua competência, ao criar proibições não embasadas em lei. Argumenta que as vedações (destacando a prevista no § 1º do art. 4º) ferem o direito constitucional ao livre exercício profissional dos psicólogos, notadamente aqueles com especialização em psicologia jurídica 'ao impor para toda a classe, sob ameaça de punição ética, uma determinada visão científica e/ou ideológica sobre o assunto objeto da resolução, que é controvertida na classe', além de violar o direito da sociedade em geral, na dimensão de proteção dos direitos fundamentais, por meio da contribuição advinda dos estudos da psicologia.

O CFP, por sua vez, alega ter atendido a Recomendação do MPF quanto à revogação da Resolução nº 09/2010, que vedava a realização do exame criminológico pelo psicólogo, sendo que o principal argumento do autor era o de que não poderia ser restringida a prática profissional em face do princípio insculpido no art. 5º, XIII, da CF, mas que poderiam ser estabelecidas condições técnicas e éticas para o seu exercício. Defende, assim, a legalidade da Resolução nº 12/2011, que não traria mais qualquer proibição, mas apenas condições éticas para o exercício profissional.

Para o MPF, todavia, com a nova Resolução, embora o CFP não impeça

expressamente a realização do exame criminológico, consoante fazia nas resoluções anteriores, 'retiralhe substancialmente a utilidade', especialmente ao vedar o prognóstico de reincidência e a aferição de periculosidade, prejudicando a análise do magistrado quanto aos requisitos subjetivos para a concessão dos benefícios no cumprimento da pena ao afastar o subsídio técnico de um psicólogo sobre o tema.

O deslinde da controvérsia, portanto, depende da conclusão sobre a natureza das 16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 6/9 vedações contidas na Resolução nº 12/2011: se se tratam de restrições ao exercício profissional, sem amparo legal, como sustenta o MPF, ou se apenas se tratam de condições técnicas e éticas estabelecidas para o exercício da profissão, como defende o CFP.

Conforme se observa dos documentos que instruíram a inicial, houve longo debate acerca do conteúdo proibitivo das Resoluções editadas pelo Conselho Federal de Psicologia acerca da atuação de psicólogos em sistemas prisionais (números 9 e 10/2010). O Ministério Público Federal instaurou Inquérito Civil e, após sucessivas suspensões, o CFP acabou por revogar a Resolução nº 09/2010, editando, em substituição, a Resolução nº 12/2011.

A norma atacada na revogada Resolução nº 09/2010 vedava expressamente 'ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado' (art. 4º, 'a'). Ocorre que, embora a nova Resolução não contenha tal proibição expressa à atuação dos psicólogos no âmbito dos estabelecimentos prisionais, é inegável que, por via transversa, impôslhes a mesma restrição.

Senão vejamos. O exame criminológico envolve uma avaliação técnica por parte do profissional da psicologia sobre a análise de diversos requisitos subjetivos do condenado para fins de subsidiar decisões judiciais no âmbito da execução penal, como a concessão de benefícios durante o cumprimento da pena ou a progressão de regime. Portanto, é de irrefutável relevância tal análise pois, por um lado visa a garantir o próprio direito de liberdade do condenado e, por outro, a proteger a sociedade em geral, sob a forma de prevenção na concessão de benefícios a apenados com alto grau de periculosidade ou não recuperados.

Referido exame, conforme orientação da súmula 439 do STJ e súmula vinculante 26 do STF, pode ser determinado pelo juiz das execuções em decisão motivada. Dayana Rosa dos Santos (O exame criminológico e sua valoração no processo de execução penal, Dissertação Faculdade de Direito, USP, 2013. Disponível em: . Acesso em: 20150407) refere que 'O exame criminológico constitui importante ferramenta para concretizar a individualização da pena na fase executória e é trabalho eminentemente técnico, voltado para a revelação o tanto quanto possível exata dos antecedentes do sentenciado, da conduta delinquente e da dinâmica do ato criminoso.

Para Cezar Roberto Bittencourt, exame criminológico é a perícia destinada a apurar as condições pessoais nas quais o sentenciado cometeu o delito, a fim de obter elementos para o diagnóstico da conduta do delinquente e o prognóstico de reincidência. Tratase de estudo interdisciplinar, no qual se realiza a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos, psicológicos do condenado, para a obtenção de dados que possam revelar a personalidade do mesmo.'

Com efeito, ao determinar que, na perícia realizada no contexto da execução penal, ao psicólogo é vedada a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência e a aferição de periculosidade, o CFP suprimiulhe elementos essenciais, praticamente esvaziando o conteúdo desse importante expediente de trabalho do juiz da execução penal. A avaliação sobre a probabilidade de reincidência do condenado, ou sobre a cessação de

16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 7/9 periculosidade, depende de dados técnicos que embasam a análise acerca do preenchimento dos requisitos subjetivos para a concessão de benefícios de cumprimento de pena. Esses dados, nas situações em que possível avaliálos, devem ser fornecidos pelo profissional habilitado para tanto, o psicólogo.

 

Registrese, a este passo, que incumbe a cada profissional, motivadamente, justificar a impossibilidade de prognose de reincidência ou de aferição de periculosidade em determinados casos em decorrência de particularidades destes. Referida decisão, ressaltese, cabe ao psicólogo, diante do caso concreto, e deve ser fundamentada, não competindo ao Conselho vedar a análise indiscriminadamente.

Outro ponto a ser destacado é que a Resolução impugnada foi expedida pelo Conselho réu para regulamentar a atuação da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema prisional.

No entanto, menciona apenas a Lei nº 5.766/71 e seu art. 6º, alínea, 'c', que dispõe:

Art. 6º São atribuições do Conselho Federal:

[…]

c) expedir as resoluções necessárias ao cumprimento das leis em vigor e das que venham modificar as atribuições e competência dos profissionais de Psicologia? (destaquei)

Com efeito, não havendo qualquer outra Lei a embasar o regulamento criado pela Resolução nº 12/2011, o Conselho não pode inovar, dispondo sobre atribuições e competências dos profissionais de Psicologia, uma vez que não detém essa competência normativa. Dessa forma, as vedações estabelecidas pela referida Resolução não podem ser consideradas 'condições técnicas e éticas estabelecidas para o exercício da profissão', ampliando, assim, a competência regulamentar do CFP. Não pode, ressaltese, o CFP limitar através de resolução, sem que a lei o tenha feito antes, a contribuição dos psicólogos para a avaliação do preso quanto aos requisitos subjetivos para a concessão de benefícios pelos juízes das execuções penais.

Deve ser declarada, portanto, a invalidade da Resolução nº 12/2011, expedida pelo Conselho Federal de Psicologia, visto que, conforme destacado pelo MPF: extrapolou os limites de sua competência, ferindo o princípio da legalidade ao estabelecer vedações não previstas em lei? violou o direito ao livre exercício profissional dos psicólogos (previsto no art. 5º, XIII, da CF)? 'afrontou o direito dos psicólogos ocupantes de cargos públicos nas estruturas do sistema prisional brasileiro de colaborar, com o conhecimento especializado da Psicologia, para qualificar a prestação jurisdicional (art. 13, §2º, da Lei 4.119/62) e, sob outro prisma, o direito da sociedade em geral de que esses servidores públicos desempenhem plenamente as atribuições dos cargos para os quais são remunerados (art. 37, caput, da CF)'? e feriu 'o direito (difuso) da sociedade em geral à prevenção de crimes na dimensão de proteção dos direitos fundamentais, por meio da contribuição advinda dos estudos da psicologia jurídica'.

Por fim, uma vez reconhecida a invalidade da resolução, são inválidos os processos éticodisciplinares instaurados com base nela e as sanções deles decorrentes.

Da Antecipação de tutela O acolhimento do pedido veiculado na inicial evidencia a verossimilhança das 16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 8/9 alegações, havendo ainda que se considerar o risco de dano de difícil reparação, caracterizado pela vigência da Resolução CFP nº 12/2011, que permite a apuração de falta éticodisciplinar contra os profissionais que a descumprirem, bem como a possibilidade de libertação antecipada de presos que não preenchem os requisitos subjetivos por falta de análise técnica psicológica. Assim sendo, defiro a antecipação de tutela requerida na inicial para:

a) suspender, em todo o país, os efeitos da Resolução nº 12/2011 do CFP?

b) determinar aos Conselhos réus a suspensão de todo e qualquer procedimento ou processo administrativo destinado a apurar eventual descumprimento, por parte dos psicólogos, das disposições constantes da referida Resolução? e

c) determinar ao CFP que, no prazo de 10 dias, dê ampla divulgação à decisão, inclusive em sua página na Internet.

 

III Dispositivo

Ante o exposto, julgo procedente o pedido, extinguindo o feito na forma do art. 269, I, do CPC, para:

a) declarar a nulidade da Resolução nº 12/2011, expedida pelo Conselho Federal de Psicologia, retirandolhe toda a eficácia em âmbito nacional, especialmente para o fim de invalidar processos éticodisciplinares instaurados com base nela ou em seus termos, e as sanções eventualmente neles aplicadas?

b) declarar a nulidade de qualquer ato praticado pelos Conselhos réus com base na mencionada Resolução?

c) determinar ao Conselho Federal de Psicologia que dê ampla divulgação interna à sentença, encaminhando cópia da decisão por meio eletrônico a todos os Conselhos Regionais de Psicologia, bem como para os psicólogos neles inscritos, além de disponibilizála na respectiva página da Internet.

Deferida a antecipação de tutela, nos termos da fundamentação, cujo cumprimento deverá ser comprovado nos autos no prazo de 10 dias da intimação da sentença. Desde já, fixo multa diária, no valor de R$10.000,00, para a hipótese de descumprimento. Sem custas e honorários, conforme o art. 18 da Lei nº 7.347/85. Em homenagem aos princípios da instrumentalidade, celeridade e economia processual, eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas no efeito devolutivo (art. 520, VII, do CPC), salvo nas hipóteses de intempestividade e, se for o caso, ausência de preparo, que serão oportunamente certificadas pela Secretaria.

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria intimar a partecontrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sentença sujeita a reexame necessário. Publicação e registro pelo sistema eletrônico. Intimemse. 16/04/2015 42 SENT1 https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_implementacao&doc=711428668920577301170000000002&evento=711428668… 9/9

 

Porto Alegre, 08 de abril de 2015.

Graziela Cristine Bündchen Torres

Juíza Federal Substituta

 

 

Documento eletrônico assinado por Graziela Cristine Bündchen Torres, Juíza Federal

Substituta, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 10890327v40 e, se solicitado, do código CRC 4849E615.

 

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): Graziela Cristine Bündchen Torres

Data e Hora: 10/04/2015 17:52