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CRP 14/MS fala sobre liberdade de expressão e direito à comunicação em Conferência dos Direitos Humanos

O Conselho Regional de Psicologia de Mato Grosso do Sul (CRP 14/MS) participou da mesa: AFIRMAÇÃO E FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA, onde a Conselheira, Beatriz Xavier Flandoli, falou sobre LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À COMUNICAÇÃO.

Em sua fala, Beatriz trouxe reflexões sobre liberdade de expressão e direito à comunicação. “Quando falamos em liberdade de expressão e direito à comunicação estamos nos referindo ao direito à informação, isto é, ao direito de ser bem informado e buscar a informação em qualquer lugar possível sem restrição nenhuma e em direito à comunicação que consiste no direito de manifestar o pensamento, expressar a opinião, dizer sua palavra, sob qualquer forma”.

Para a Conselheira, é importante frisar essa parte “sob qualquer forma”, pois pode-se muito bem restringir tal direito à apenas uma manifestação individual, nao incluindo a manifestação através da mídia que é um serviço público exatamente com essa finalidade.

Por meio da participação do CRP14, o nosso Conselho Regional de Psicologia no Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (o FNDC), entendemos que falar de direito à comunicação no país é promover o questionamento político sobre o extremo poder da mídia brasileira em sua concentração de discursos únicos de menos de dez famílias que dirigem e unificam as notícias em poderosas redes nacionais.

Para falar de comunicação e de direito à comunicação, portanto, é preciso demonstrar que os donos da mídia atuam solicitando e direcionando incessantemente os focos de atenção da sociedade brasileira, levando o senso comum e a imposição de uma falsa neutralidade ideológica.

Isso porque temos uma situação muito complicada, em se tratando de mídia. Pela Constituição brasileira, os meios de comunicação são um serviço outorgado, um serviço público. Isso significa que esse meio nãopode ter dono: ele é apenas uma concessão temporária: TV por quinze anos e rádio por dez anos.

Essas concessões são dadas por um período de tempo para prestar serviços como educação, arte, cultura nacional e regional, respeitando os valores éticos e sociais (artigo 221 da Constituição).

Além disso, “os meios de comunicação social não podem, direta, ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio (Artigo 220, parágrafo 5o.).

Essas informações não aparecem em lugar algum, razão pela qual não está no imaginário popular que os comunicadores tem uma concessão temporária para prestar um serviço público.

Pedrinho Guareschi, professor de psicologia social da PUC/RS verificou numa pesquisa realizada em 2006 que 97%da população entrevistada entende que a Rede Globo é da família Marinho, o SBT do Sílvio Santos, e assim por diante. Esse mesmo percentual de 97% da população entrevistada não computa entre os direitos humanos o direito à informação e o direito à comunicação.

A legislação também nao é respeitada. Segundo o artigo 54 da Constituição, deputados e senadores estão impedidos de ser proprietários, controladores ou diretores de empresas que tenham contato com o poder publico, caso dos rádios e das TVS.

Com base neste citado artigo 54 da Constituição, Em 23 de novembro deste ano de 2015, treze organizações da sociedade civil protocolaram representação no Ministério Público Federal contra 32 deputados e oito senadores sócios de emissoras de rádio e TV.

Além disso, a Revista Radis da Fiocruz, divulgou em abril de 2015 que entre os nomes dos parlamentares investigados no esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás  e grandes empreiteiras, todos ligados a empresas de comunicação registradas no próprio nome ou de outros parentes estão:

Fernando Collor (PTB/AL); Renan Calheiros (PMDB/AL); Eduardo Cunha (PMDB/RJ) ;Romero Jucá (PMDB-RR); Edison Lobão (PMDB/MA); Roberto Britto (PP-BA); DilceuSperafico (PP-PR); Aníbal Gomes (PP-RR); Pedro Henry(PP-MT) eSandes Junior (PP-GO).

Essasdenúnciasmostram que o sistemabrasileiro de comunicaçãoreflete a confusão e a promiscuidadeentre o público e o privado.

Para Janaine Aires, pesquisadora UFRJ, “O silêncio da coberturajornalística para estescasosnosexpõe a face perversa do chamadocoronelismoeletrônico: as concessõespúblicas, para além de moedasde troca, se constituem como instrumentos de defesa dos interesses da elite brasileira”.

Por sua vez, José Arbex Jr., Professor de jornalismo da PUC/SP denuncia que “[…] estamos em um paisabsolutamenteselvagem no que tange à possibilidade de impor qualquer restriçao aos meios de comunicaçao. Os donos da midia nao aceitam que se toque em absolutamente nada que possaindicar qualquer direitos que tenha a sociedade civil naquilo que é sua liberdadeabsoluta de vender o lixo que produzem no Brasil”.

Liberdade de expressão e direitos à comunicaçao é alardeado por essasemissorascomo sendo o direito dos donos da mídia de usarem como bementendem o instrumento que lhes é outorgado, sem quaisquer possibilidade de prestação de contas.

Bem, é preciso contar um pouco das ações que nós da Psicologia temos participado junto ao FNDC tais como a campanha  Quem financia a Baixaria é contra a cidadania, o debate sobre a classificação indicativa da programação televisiva e luta paraa realização da Conferencia Nacional de Comunicação que aconteceu em dezembro de 2009, com resultados absolutamente frustrantes, posto que, infelizmente, mais de 600 das deliberações desta conferencia em defesa da democratização das comunicações não saíram do papel.

Esta é uma das razões pela qual, o FNDC, divide-se hoje em lutar pelo cumprimento dessas deliberações ou em lutar por uma nova Confecon. Como podem ver, as notícias, em se tratando de comunicações no Brasil, nao são nada animadoras.

A cada pequena vitória do movimento dos  direitos humanos pela qualidade da comunicação no Brasil, os donos das mídias reagem alegando censura e cerceamento da liberdade de expressão.

Nao aceitam regulamentação, nao respeitam a legislação e se veem no direito de contestar e tentar derrubar a classificação indicativa, assim como questionar a legalidade do fim da propaganda dirigida à criança que já vigora em muitos países há muitos e muitos anos.

Grande preocupação entre os estudiosos das ciencias sociais e entre elas, a educaçao e a psicologia é que nas  últimas 5 décadas vivemos numa sociedade midiada e uma cultura midiada. A mídia hoje perpassa todas as dimensões da sociedade. Não há nada que escape à Mídia. E ela tem mais influencia sobre as crianças do que a família e a escola.

O professor Guareschi postula que a mídia constrói a realidade, isso porque,sociologicamente falando, uma coisa hoje existe ou deixa de existir se é ou nao midiática. A partir daí publico e privado mudam de sentido: antigamente, o publico era o que estava na rua. Agora o publico é onde o olho grande da mídia incide, podem ser as cenas mais secretas, intimas, dentro de quatro paredes, mas se o olho grande da mídia está ali, aquilo se torna uma realidade publica. E o privado é aquilo que nao é mediado. Esta Conferencia Estadual de Direitos Humanos está na mídia? Deveria estar. E se está, então existe.

Entretanto, se ela não está anunciada, divulgada na mídia, então ela não existe. Estamos aqui, sabemos que ela está acontecendo, mas não adianta falar sobre esse evento para quem nao esteve aqui, participando. Isso não será ouvido nem compreendido. Se algo nao está na mídia, para a grande maioria da população, nao existe.

Mas se o olho grande da mídia incide sobre a prisão de uma única pessoa, todo o Brasil, todo o mundo fica sabendo, e fica sabendo sobre o assunto varias vezes e isso se torna tema de debate, torna-se opinião publica. A mídia cria a pauta da discussão.

Se concordamos que a mídia constrói a realidade, também nao podemos negar que a mídia constrói a realidade com valores e os valores são aquilo que nos impulsionam a fazer. Comprar, votar, casar, tudo é consequência de determinados valores. Nunca a mídia dá uma noticia neutra.

Quando dissemos que a psicologia brasileira entra no debate sobre a democratização da comunicação no Brasil, em função da mídia brasileira ser direcionada por um discurso único, capitaneado pelas poucas famílias detentoras das comunicações no pais, os donos da mídia, entendia que esse discurso único é resultado do que Arbex  entende por uma operação de guerra, uma cegueira orientada, orquestrada. Não se trata de uma conspiração organizada, os donos da mídia nao se sentam no café da manhã para conspirar contra a população, mas trata-se  de uma lógica, de uma matriz de pensamento, de um discurso que é de autocontentamento com um presente eternamente reproduzido, tecnologicamente agradável, viável do ponto de vista desta absoluta minoria que participa do mundo globalizado, que Milton Santos denominava de mundo globalitário.

Eu assisti a filha do Mauricio de Souza num debate na TV Globo, conduzido por Pedro Bial no Programa Na Moral, contra o fim da  publicidade dirigida a crianças. Ela argumentava graças à maçã da Mônica, Um pacotinho de maças bem caro, as crianças brasileiras passaram a comer maçãs.

Outro dos impactos deste pensamento único é o que se tem denominado de “assimetria no sofrimento” que é o fato de o mundo todo ficar chocado e lamentar profundamente as 3.000 mortes ocorridas no ataque às Torres Gêmeas e não se chocar ou lamentar as 30.000 mortes diárias de crianças em decorrência da fome.

Aliás, a escritora nigeriana ChimamandaAdichie nos fala muito bem dos perigos da história única, quando relata que lendo livros produzidos na Inglaterra começou a escrever aos 9 anos contos cujas personagens eram louras de olhos azuis.

Nos atentados de novembro em Paris, fomos bombardeados pelas emissoras da mídia ocidental com informações sobre as 129 mortes ocorridas e sobre a crueldade dos radicais do estado islâmico. É como se a barbárie do Estado Islâmico tivesse surgido naturalmente. É como se hordas de bárbaros emergissem daquelas areias de deserto, marchando contra os ideais democráticos do ocidente alimentados por ódio e ignorância inexplicáveis.

Como é que se consegue ganhar o coração e a mente de milhões de pessoas numa determinada direção? Isso é possível por meio da mídia, e isso é direção politica da sociedade. Mas isso está claro?

Outro grave problema imposto pela Liberdade de expressão e de Comunicaçao dado aos donos da mídia no Brasil, com quase nenhuma regulamentação é a publicidade.

Quem tem criança no Brasil sabe – e eu tenho quatro netos e sei disso, que o verbo das crianças é comprar: vovó, você compra pra mim? É o mantra das crianças.

Quando o Sítio do Pica-Pau amarelo estreou em 2001, já tinha 90 itens licenciados pela Globo Marcas, que tem o domínio comercial sobre vários brinquedos com o nome do programa. E é por isso que eles estão tão ressentidos e furiosos com o fim da publicidade infantil.

A mídia ensina a consumir. E ensina diariamanete a consumir nao so bens materiais mas também ideias, tipos de vida, posições de sujeitos desejáveis e de formas de ser e de agir.

O psicanalista ContardoCalligaris escreveu um artigo na Folha de Sao Paulo em setembro de 2011, comparando a turba que afugentou Luis XVI e Maria Antonieta de Versailles em 1789 e que pedia pão por estar com fome e, de outro lado, a turba que em 2011 atacou as lojas londrinas em busca de artigos eletrônicos e tênis de marca.

Calligarisadvoga que em nossa época as futilidades sao no mínimo tao relevantes e necessárias quanto era o pao em 1789, já que “quem somos depende de como somos avaliados pelos outros e, para  garantir boa avaliação, atribuem-se aos objetos que nos circundam funções parecidas com as dos paramentos das antigas castas: declaram nosso status e mostram se somos ou estamos cultos antenados ou fashion”

Isso nos remete ao processo de fragmentação da consciência social que Marx anunciou ao tratar do fetiche da Mercadoria e que culmina em tais demonstrações de que a identidade se afirma pelos objetos de consumo.

Também serve de alerta para a necessidade de compreensão de como a cultura imposta pela lógica do mercado, por meio da mídia, imprime características e transforma a consciência.

A partir da década de 1960 a publicidade progressivamente deixa de falar das qualidades objetivas dos produtos para associa-los a qualidades subjetivas.Assim, sabonetes deixaram de vender limpeza e passaram a vender beleza, automóveis vendem prestigio e seguros transformam-se em prova de amor;

Margarinas, ervilhas, eletrodomésticos, reformas de cozinhas e viagens de férias passaram a ser vendidos como garantia de harmonia conjugal e familiar. E cigarro, vendia sucesso!

Essa desobjetivação da publicidade acentuou-se a ponto de migrarem  charme, alegria, felicidade, gloria, sensualidade e fama do produto para a marca.

Atualmente, as grandes empresas fazem propagandas de si mesmas, mal mencionando o que vendem. A tendência é dizer tão pouco quanto possível dos produtos que anuncia.

Abre-se um leque planetário de necessidades e recursos para a criação e exploração da subjetividade.Toda a vivencia humana, em essência espontânea e gratuita, flui agora atrelada ao mercantilismo mais imediato. Mas a vida fetichizada cobra um preço: o mundo perfeito que se apresenta viável na propaganda cria infelicidade e frustração.

“A mídia é protagonista da geração de uma subjetividade de truculência histórica no Brasil. Só nos cabe o engajamento na luta pela democratização das comunicações além de nos instrumentalizarmos para desenvolver um senso crítico ou uma cultura crítica de consumo da mídia, lutar pela democratização da mídia e construir espaços de atuação em nossas vidas pessoais e profissionais”, encerrou Bratriz .