Na quarta-feira, dia 10/9, o Brasil terá de explicar diante dos 47 países do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, por que suas prisões sofrem de ‘superlotação endêmica’, por que o acesso à Justiça ainda é ‘severamente deficiente’ e por que continua recorrendo ao encarceramento como regra, e não exceção, principalmente em nos casos de crimes leves e sem violência.
As acusações, que fazem parte de relatório do Grupo de Trabalho da ONU sobre prisão arbitrária, coincidem com o recrudescimento da violência em unidades prisionais de todo o País – como é o caso de Pedrinhas, no Maranhão, e da penitenciária de Cascavel, no Paraná.
O documento tornou-se público em julho, mas será oficialmente apresentado durante a 27a sessão do Conselho, que teve início hoje (8/9). Os especialistas do GT estiveram no Brasil entre os dias 18 e 28 de março de 2013 e visitaram sete locais de privação de liberdade em Brasília, Campo grande, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo – inclusive a controversa Unidade Experimental de Saúde, que abrigava, sem qualquer base legal, seis jovens oriundos da Fundação Casa.
“Há uma preocupante propensão a recorrer à privação de liberdade como primeira medida, em lugar de última, ao contrário do que estipulam os padrões internacionais de direitos humanos”, atestam os especialistas. “Políticas públicas ‘duras contra o crime’ criam uma tendência severa de encarceramento em massa, enquanto a maioria dos estados não têm capacidade ou estrutura para lidar com suas consequências.”
O Brasil possui desde 2010 uma Lei de Medidas Cautelares (12.403/11), que prevê penas alternativas para pessoas condenadas por crimes de menor potencial ofensivo. Para o GT, a norma não vem sendo aplicada de maneira satisfatória.
O relatório também critica a dependência institucional e a falta de recursos das defensorias públicas, a prisão compulsória indiscriminada de dependentes químicos, os recorrentes casos de tratamento cruel dos detentos e o uso excessivo da prisão provisória – condição de 41,8% dos presos do País, segundo dados de dezembro de 2012 do Ministério da Justiça.
Os especialistas fizeram críticas especialmente contundentes à Unidade Experimental de Saúde de São Paulo, que abriga seis jovens que já cumpriram medida socioeducativa na Fundação Casa. “O GT está preocupado com a falta de base legal para a prisão desses indivíduos, particularmente à luz do fato de que não há prazo claro para o fim de sua detenção. Também nos foi informado que nenhuma revisão efetiva de seus casos tem sido feita.”
Depois da apresentação do GT, a delegação do Brasil em Genebra terá de explicar o que pretende fazer para solucionar os problemas apontados no documento. Também terá de ouvir a posição de organizações de direitos humanos da sociedade civil, entre elas a Conectas, que farão pronunciamentos orais durante a audiência.
“O mundo quer saber por que, apesar dos recentes avanços sociais e do crescente protagonismo do Brasil no cenário internacional, ainda não conseguimos superar o estado de barbárie em nosso sistema prisional”, afirma Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas. “Aqui, por estar condicionado à divisão de poderes e à responsabilidade partilhada entre os estados, o debate sobre as prisões é fragmentado e politicamente instrumentalizado. Na ONU, teremos que responder por esse fracasso como País – o que nos obriga a pensar em soluções mais estruturais e profundas para o problema.”
Segundo dados de dezembro de 2012 do Ministério da Justiça, o Brasil possui uma população carcerária de 548 mil pessoas. É a quarta maior do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O déficit de vagas supera as 230 mil.
A audiência será transmitida através do site da TV ONU.